quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A magricela

Era magricela como um minuto...
Nasceu quem sabe aonde, como também ninguém sabe por que viveu tão pouco, se é que alguma vez viveu.
Sua vida foi tão curta como extensa. E triste. Até podemos dizer que não existia. Estava ali, ao alcance de todos, à vista de todos. Mas não existia...
Era magricela, mas muito bela. Bela como nenhuma. Seus olhos jogavam ternura pelos quatro ventos. Era submissa, agradável, necessária. Seu rosto possuía um vago semblante de melancolia o que a tornava ainda mais formosa.
Órfã de profissão anelava ser adotada, sonhava com ter como família ao mundo. Imaginava amanheceres cheios de esperança, onde a única luz que existisse fosse à do sol; onde o único calor que a abrigasse fosse o humano; onde o único barulho que a acorda-se fosse o da vida; onde o único aroma que cheirasse fosse o das flores.
Creio que nunca deixou de ser menina, apesar de que entre seus ideais, predominava o de ser forte, poderosa, triunfadora...
Era magricela como o gume de uma faca...
Não era fácil acordar dia a dia e descobrir uma realidade absurda que obrigava ela a catalogar de utopias os seus propósitos. Não era fácil, mas tampouco impossível.
Certa vez, seus olhos acordaram e enxergaram que o sol brilhava mais. Pegou um a um esses raios miraculosos e os utilizou como incentivo para empreender o caminho da sua vitória. Sentada na cama, imaginou discursos que proclamaria às multidões; juntou ideias no seu cérebro de pomba, que lhe outorgariam seu sitio na vida, seu lugar no coração de cada ser humano. Queria existir, queria ser, queria viver...
Era magricela como a mente dos seus inimigos...
Mas era forte como poucos. Era audaz porque lutava sozinha contra o mundo que não queria. E essa manhã elaborou um plano. E ao anoitecer começou a cumpri-lo. Recorreu cidades, povoados, igrejas, governos, mares, corações, estrelas e céus. Suas propostas eram maravilhosas. Seus esforços por propõe-las se derrubavam ao não achar o mais mínimo eco. Mas ela continuava lutando.
Era magricela, mas seu corpo se foi alimentando com o pó do caminho recorrido, com os gritos de aliados que, aclamando o seu nome e aplaudindo os seus discursos, lutariam pelos seus sonhos. “Lutariam”, sempre prometendo. Por que não “Lutaremos agora!” se perguntava.
Era magricela como esse futuro que os homens prometiam e que não chegava.
Procurou fé para emprestar-lhes, mas já não estavam junto a ela. Tinham fugido. Haviam perdido a pouca fé que tinham e não acreditavam, já não acreditavam.
Sozinha outra vez e mais magra que nunca, pensava entregar-se esperando que a tomem quando a precisem. Dava pena vê-la perder as poucas gotas de suor que quedavam no seu corpo; dava tristeza ver como derramava as poucas lágrimas que habitavam nos seus olhos. Estava hasteada de ver na sua travessia, gente que lutava com armas diferentes às suas. Ela que cria poder substituir o fuzil pela palavra, a pólvora pelo amor, hoje enxergava que tudo estava perdido...
Era magricela como as tentativas por achar pessoas como ela...
Mas ainda entre seus ossos sabia que existia uma esperança, outra mais, que não se somaria às tantas já mortas.
E essa esperança nova era a mãe natureza. Ela a descobriu olhando para o céu, sentindo o calor do sol, o barulho da vida e o aroma das flores; todo o que alguma vez imaginou em seus amanheceres; estava escutando a voz de Deus...
E com seu jeito meigo, com seu pueril encanto e sua simples imagem, falou com os passarinhos e com o sol, chamou às flores e juntos formaram um verdadeiro exercito naturalmente humano.
Não lhe custou nem uma gota de suor nem uma lagrima convencê-los, pelo fato de que já estavam esperando-a.
E voou os céus como nos seus sonhos. E dispersou o aroma da sua própria essência. E sentiu-se irmã da natureza, filha do Criador...
E continuou voando sem deter-se, até quem sabe que era, até quem sabe quando.
Era magricela, bem falo, mas era tão grande o sorriso de otimismo que lhe cobria o rosto, que lhe dissimulava sua magreza.
Era a magricela Paz, que ia triunfando...

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